domingo, abril 29, 2007

Amor, Sapatos e Zeus

"Então considerei que as botas apertadas são umas das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar. Mortifica os pés, desgraçado, desmortifica-os depois, e aí tens a felicidade barata, ao sabor dos sapateiros e de Epicuro". - Machado de Assis "Preciso de alguém sem o qual eu passe mal”. – Kid Abelha

A falta de amor é um par de botas apertadas. Por que mortificar os pés, e depender do prazer de desmortificá-los? É um prazer masoquista. Mais lógico seria usar sapatos confortáveis, ou então, não usá-los. Mas não: é bom que exista a dor, para que saibamos o que é prazer. Melhor não conhecer o amor do que passar uma vida na infelicidade, tentando encontrá-lo.

Segundo uma lenda grega, no início, os seres eram duplos e esféricos, e os sexos eram três: um constituído por duas metades masculinas; outro por duas metades femininas; e o terceiro, andrógino, metade masculino, metade feminino. Como ousassem desafiar os deuses, Zeus cortou-os para enfraquecê-los. Cada ser tornou-se então um ser distinto, e o amor recíproco origina-se na tentativa de restauração da unidade primitiva. O homem considera-se incompleto, tentando desesperadamente encontrar aquele que o faça passar de um estado de pobreza (espiritual) para um estado de riqueza.

O que eu queria dizer é que seria melhor que não existisse amor; porque a falta dele mortifica a alma. Zeus poderia ter feito seres completos: podemos imaginar um mundo primitivo no qual o amor não existisse: muito sofrimento seria poupado. A humanidade seria constituída por seres completos, e poderia dedicar-se a outras coisas que não a busca do amor, essa coisa passageira e inútil. Claro que são só hipóteses; quem é que abdicaria do amor tendo-o conhecido?

No mínimo, ele trouxe inspiração aos poetas. Na verdade, acho que a única utilidade do amor foi ter ajudado a humanidade a produzir arte. A amizade é um sentimento muito melhor que o amor; é mais irmão, mais fraterno; os amores vêm e vão ao sabor dos ventos. Mas a amizade não resolve o problema da sexualidade, outra necessidade humana cuja falta representa um tormento. O ideal seria não ter sexualidade nem amor, mas, conhecendo-os, é impossível ignorá-los. Por exemplo, durante a infância, a felicidade é plena. Ninguém precisa do amor homem-mulher. Não existe a falta eterna de alguma coisa. Mas quando se entra na adolescência, as duas esferas são magicamente separadas e precisamos de companhia.

O amor é maníaco-depressivo. Na presença dele tudo são flores. Na falta, tudo é um inferno. Deve existir um meio de equilibrar essas duas faces. Não quero precisar de alguém sem o qual eu "passe mal". Parece um vício. Na falta da pessoa amada, é como se existisse uma síndrome de abstinência. O amor destruiu, como a droga: antes, passava-se bem sem ele; fomos-lhe apresentados na adolescência e agora existe um vazio, que nada parece preencher. Mais uma dose, por favor.

Por fim, acabo isto que me atormentava à meses. Fecho o bloco, apago a luz... Ainda assim agradeço o dia em que o amor me foi apresentado. Vem-me à cabeça "Fomos à Lua mas não encontrámos a nossa verdadeira casa. Aqueles que lutam e sofrem por amor encontram-na…" Adormeço....

RR

Doutores e Engenheiros

Como simples e humilde cidadão que me considero, venho, por este meio, transmitir a minha opinião a todos aqueles que a desejem saber. Quem não se englobar neste pequeno (reconheço que sim) grupo, talvez seja melhor nem gastar movimentos pupilares a percorrer o meu texto. Não porque quero escrever para uma elite, de que tipo for, ou porque simplesmente ache que há pessoas que não devem ler os meus escritos. Nada disso, antes pelo contrário! Uma vez que eu não sou doutor, engenheiro, nem sequer senhor, as minhas palavras talvez não despertem tanto impacto como se, antes do meu nome, se encontrasse qualquer título académico.

Como o leitor já deve ter reparado, o tema que irei abordar é a polémica acerca das habilitações do nosso primeiro-ministro, José Sócrates. Sinceramente, acho que não há melhor assunto para debater do que este que nos clarifica quanto ao Pré-nome do líder do governo. Aliás, todos os problemas económicos, financeiros e sociais estão totalmente solucionados para podermos, agora sim, discutir de forma assertiva as habilitações de Sócrates!

Não me coloco em algum lado da barricada, tentando, desta forma, analisar a questão da forma mais distante possível. Tenho a minha própria opinião, como é óbvio, e irei transmiti-la ao longo deste texto, mas, primeiramente, tentarei analisar, de forma matemática, o caso.

É certo que esta situação alegadamente ilegal da obtenção do diploma por parte de José Sócrates é um problema que deve ser debatido em sede própria e que deve ser desvendado até ao último pormenor. Ao chegar a público, é absolutamente natural que as pessoas se comecem a interrogar acerca da credibilidade de alguém que está no poder e se comecem a interessar (será mesmo este o termo?) pela vida académica da pessoa em questão. É uma figura pública e, mesmo que não seja do seu agrado, está sujeita a ser criticada e falada em cafés, jardins, locais de trabalho, e em blogues (o novo suporte comunicacional que, quer queiram quer não, é e será, cada vez mais, o centro de todas as futuras tertúlias que já se iniciaram e que continuarão a existir).

Mas permitam-me que discorde do mediatismo de que este tema está a ser alvo. Deixemos o “caso judicial” para a justiça resolver e não nos precipitemos a apontar juízos de valor a quem quer que seja. Sócrates pode ter sido beneficiado, directa ou indirectamente, como até pode nem ter sido. Mas, segundo os documentos a que todos tivemos acesso (pelos meios de comunicação social), a confusão é enorme. Uns afirmam categoricamente que Sócrates foi favorecido, enquanto que outros, entre eles o próprio Primeiro-Ministro (não seria de esperar outra coisa), afirmam que a situação académica está completamente legalizada.

Questões judiciais à parte, o certo é que José Sócrates está a fazer um bom mandato, alicerçado em ideias sólidas e construtivas que permitem transportar o país para um elevado patamar socio-económico. Sou apartidário e não perfilho nenhum ideal que esteja inscrito em tábua bi-milenar que, mesmo sendo rasa, não me permite inscrever o meu verdadeiro pensamento. Neste preciso caso, entendo que temos um governo que está a cumprir as suas funções de forma coerente e rigorosamente bem. Mas, por agora, a minha opinião em relação à actuação do governo é irrelevante.

Sendo engenheiro, doutor, senhor ou excelentíssimo, José Sócrates não deixa de ser um bom (mau para alguns) Primeiro-Ministro. Num país em que os títulos são tão essenciais como as impressões digitais, todos nós nos pavoneamos pelas ruas como se fôssemos autênticos reis. Porém, muitos passeiam nus sem o saber. Basta viajar até Coimbra onde uma simples capa nos assegura o título de doutor! “Há coisas fantásticas, não há?”

Como disse inicialmente, no meu bilhete de identidade o meu primeiro nome é André, sem nenhum título antes. Por essa razão, afirmei que não saberia se estaria habilitado a ser lido por algumas pessoas. Aliás, penso que, se hoje me candidatasse a qualquer cargo público não obteria grande apoio. Não devido às minhas limitadas capacidades mas por me recusar a utilizar algum pré-nome que não fosse meu.

Ao contrário do que muitos dizem por aí, eu admito sem medo a minha ignorância em inúmeros assuntos. Não esquecendo, porém, que admitir a ignorância é o primeiro passo para atingir a sabedoria.

Como um homónimo do nosso primeiro-ministro disse, “só sei que nada sei”. E não consta que fosse engenheiro…

André Pereira

Orgulhosamente Avós

Durante semanas, chegava a casa cansado de mais um dia de trabalho, sentava-me ao computador, ligava a televisão e (as)saltava-me à vista a fotografia de António de Oliveira Salazar. “Déspota ou iluminado?” era a frase que acompanhava um dos retratos mais vistos e dados a ver pelos portugueses.

Hoje, continuo a minha rotina de trabalhador-estudante e estudante-trabalhador e não abdico das funções do meu polegar. A pequena caixa mágica continua a transmitir som e imagem ao meu quarto. Porém, a pergunta que me invadira há poucos dias continua sem resposta. Quer esta sobre Salazar, quer tantas outras sobre os restantes nove finalistas do concurso da RTP “Grandes Portugueses”.

A votação está concluída e o vencedor é Salazar, com 41% dos votos. Sinceramente, o resultado não me espanta em nada. E talvez peque por não ter atingido a maioria absoluta. Penso que esta escolha não reflecte o que o povo quer ou deseja (regresso de Salazar). Se, por um lado, votaram “apenas” cerca de 160 mil pessoas, por outro, quem votou não pertence (um mero palpite) às novas gerações. Sentados num banco de jardim, os mais velhos balançam entre as migalhas dos pombos e a organização meticulosa das suas peças de dominó. Outras migalhas enchem os bolsos vazios reflectidos nas palavras saudosas de um regresso ao passado “No tempo do Salazar é que era bom”. São estas palavras que saem das bocas enrugadas dos avós que são dirigidas aos mais pequenos comandados por ipods e playstations.

Mas o que verdadeiramente me espanta é o elevado grau de inteligência que os criadores deste programa tiveram para o transformar num concurso. De facto, nada melhor que pegar no nosso país (Portugal, Inglaterra, Itália, ou outro), cortar ao meio, espremer bem, abanar um bocadinho e verter para um copo para ser bebido como um simples sumo de laranja. Realmente, não se poderia pedir muito mais de um público que já há muito tempo que anda habituado a outros frutos e flores… Com ou sem açúcar, os olhos colados na televisão são cada vez mais e a massa cinzenta cada vez menos.

Dar a conhecer ao público as obras, feitos e conquistas dos portugueses que, de certa forma, foram importantes para o país é, sem dúvida, uma iniciativa a aplaudir. Decerto que grande parte dos portugueses nunca sequer teria ouvido falar em muitos dos finalistas do concurso. Ou, se o ouviram, entrou e saiu da cabeça à velocidade da luz. E é mesmo isso que falta a muitos portugueses, luz. Num mundo cada vez mais iluminado pelas novas tecnologias e pela imprescindível rapidez de pensamento e acção, o verdadeiro pensar e o conhecer tendem a ser esquecidos por aqueles que não têm os coletes de salvamento.

Escolher entre Salazar e Álvaro Cunhal, Fernando Pessoa e Camões, D. Afonso Henriques e D. João II é uma afronta à História de qualquer país, particularmente a um dos países mais antigos do Mundo como é o nosso. Conceder determinados atributos a cada “concorrente” (sim, Vasco da Gama e Aristides de Sousa Mendes são concorrentes!) é um acto estupidamente leviano para definir as suas personalidades. Como num simples jogo de computador, coloco os jogadores nas suas posições conforme as suas qualidades (Fernando Pessoa tem 8,6 de génio, talvez o coloque a nº10; o Marquês de Pombal fica atrás para organizar a defesa; já o Salazar tem 8,7 de liderança, será ele a enveredar a braçadeira de capitão). E é neste barco de frágeis tábuas de madeira que abandonamos a costa rumo à “evolução” com o objectivo maior de dar “novos mundos ao mundo”.

Qualquer um dos portugueses, conhecido ou mero anónimo teve, tem e continuará a ter um papel fulcral na História do nosso país. Como é óbvio, não discordo da existência de personalidades que, por tudo o que fizeram e pela sua visibilidade, foram transformadas em verdadeiros ícones mediáticos. Mas mesmo dentro desses, cada um foi dotado de defeitos e virtudes, vitórias e derrotas. É, portanto, na minha humilde opinião, coroar um único como o Grande Português, uma impossibilidade histórica e vertiginosamente perigosa para todo o público deste programa, que somos todos nós.

Talvez as crianças, dentro de uns anos, rejeitem ler “Os Lusíadas” (já não rejeitam?) pois foi criado por um simples homem que ficou num modesto quinto lugar… Ou, por outro lado, decidam estudar economia para serem Ministros das Finanças… Visto desse prisma, talvez nem fosse má ideia. Mas isso já são contas de outro rosário. Contas de somar, subtrair, multiplicar, dividir… Dividir tal como aconteceu em 1494, dum lado Portugal, do outro Castela. Hoje, o Tratado de Tordesilhas adaptou-se à mentalidade portuguesa e cada vez mais o fosso entre ambos os blocos é maior. A informação, é certo, aumentou drasticamente nos últimos anos e o acesso a ela também. Contudo, o conhecimento está tão longe para muitos como estava a Índia para o Vasco da Gama. Muitos de nós continuam a ser tristes empregados de escritório, que falam para si mesmos através da invenção. Outros vivem euforicamente felizes, cantando ao mundo a sua envernizada sabedoria.

Precisamos, talvez, de um Alberto Caeiro para guardar toda esta homogeneidade rebânica que pasta lentamente o que lhe vem à boca.

A cadeira caiu mas, para muitos, ergueu-se orgulhosamente a voz de Salazar.

André Pereira
O Despertar

Aborto Pe(r)dido

Vergonha! É a palavra com que decido iniciar este texto. Posso aplicá-la ao facto de andarmos a discutir a morte em vez da vida, posso aplicá-la ao facto de andarmos a escolher entre Salazar e Cunhal, posso aplicá-la ao acto demissionário do Governo em convocar um Referendo que deveria ser resolvido no Parlamento. Colocar nas mãos de pessoas tão inteligentes, como é a esmagadora maioria do povo lusitano, uma questão tão importante como a interrupção voluntária da gravidez é simultaneamente um acto de coragem e cobardia totais.

Numa altura em que se fala de aborto tal como se fala de futebol, resolvi equipar-me a rigor e escrever algumas linhas sobre o tema.

Uma falta mal assinalada pelo árbitro não teria tanto efeito como este que ultrapassa idades, classes e religiões. Uns são a favor, outros contra, outros vêem-se espelhados em rábulas do Gato Fedorento… Mas, o que está em questão no referendo do dia 11 de Fevereiro? Somos contra o aborto? Claro que somos, todos! Sem sombra de dúvida, a maioria da população prefere evitar um aborto a cometê-lo. Mas a pergunta não se baseia na nossa opinião sobre o aborto. A frase que estará nos boletins de voto no próximo domingo é a seguinte: "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?". Por aquilo que consigo deduzir, não sou questionado se concordo com o aborto ou com a sua legalização, como muitos andam a dizer em praça pública.

Há vários pontos que necessitam de ser esclarecidos nesta matéria. As palavras-chave desta pergunta são: “despenalização”, “voluntária”, “primeiras 10 semanas” e “estabelecimento de saúde legalmente autorizado”. Muitos têm sido aqueles que confundem estas palavras com “liberalização”, “obrigatória”, “nas primeiras semanas de vida”, “estabelecimento de saúde sem condições”.

Na minha modesta opinião e, tendo em conta que a graduação dos meus óculos é a correcta, as palavras não são bem aquelas, roçando até os próprios antónimos.

O aborto voluntário sempre se praticou e sempre se continuará a praticar. E ninguém fica impune a isso, como é óbvio. O que está em causa é, se a mulher que pratica este acto voluntário até às 10 semanas, deva ser penalizada ou não (pena que vai até três anos de prisão, de acordo com a lei em vigor). Do meu ponto de vista, a resposta é não! Pode ser moralmente condenável mas quem, para além da mulher, tem o poder sobre o seu corpo? Quem, para além da mulher, sofre com as consequências físicas e psicológicas de um aborto mal feito e fora de tempo?

Muitas vozes se levantam do seu sepulcro de riqueza, dizendo que é um crime pecaminoso matar uma vida! Mas, calma… Então Jesus não teve vida inicial. Não houve fecundação por parte do espermatozóide de José no óvulo de Maria (até porque na época não se cometia esse tipo de pecado!). Por amor do vosso senhor! Se a vida começa a partir do momento em que há fecundação, então a pílula do dia seguinte (curiosamente também criticada pela Igreja Católica) também deve ser considerada uma forma de aborto. Se calhar, talvez seja melhor utilizar preservativo, para evitar abortar e arriscar qualquer contágio infeccioso (sei lá, talvez essas pequenas doenças que para aí andam… SIDA, Tuberculose, Hepatite…). Mas o Senhor do Vaticano, perdão, o Senhor do Céu não permite tal afronta à vida humana. Talvez seja melhor, antes de pensar em fecundação, pensar em evitar a penetração. A não ser que seja uma penetração em que não se corra o risco de engravidar… Se pensarmos um bocadinho, quem é que não pode engravidar? Pois, o leitor adivinhou, mas não acredito que senhores da Igreja cometam acto tão bárbaro. Nem há relatos que possam provar isso… Nem membros da Igreja presos…

Enfim, que o tal deus me perdoe (se é que existe mesmo – porque se existisse acho que já cá tinha vindo abaixo crucificar, ele próprio, uns poucos).

As minhas palavras estão-se a desviar, embora que de forma compreensível, do tema em debate. Esta junção de letras toma este rumo porque a esmagadora maioria dos representantes da Igreja Católica em Portugal defende, de forma imoral, o voto no “Não”. Que fique esclarecido que cada pessoa tem o seu direito de escolha, o que eu respeito e defendo! Como Voltaire um dia disse, “Posso não concordar com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até à morte o vosso direito de dizê-lo”. Contudo, a forma como o voto negativo é “publicitado” pode ou não ser condenável. E, na minha opinião, grande parte dos argumentos dos defensores do “não” é completamente descabida.

“Se a lei for aprovada, uma mulher que aborte à 10ª semana e um dia, será na mesma penalizada”, é um dos argumentos. Claro que será penalizada. O limite é até à 10ª semana, será que a mulher não tem 70 dias em que possa pensar e ponderar o seu futuro e aquilo que deseja do seu corpo??? Tem que haver limites! “Se tivesse chegado um minuto mais cedo, não perderia o autocarro”. É óbvio, da próxima devo planear melhor a minha vida, de modo a não chegar atrasado. É uma comparação um tanto ou quanto desproporcional mas é idêntica! O nosso país tem viajado pelos “ses” ao longo dos anos… “Se D. Sebastião vier…”. “Se a Economia melhorar”, “Se tivéssemos ganho o jogo”, “Se…”, “Se…”, “Se…”… Enfim, tomemos outro rumo e apoderemo-nos dos pontos finais e dos pontos de exclamação! Abaixo as reticências e os falsos pontos de interrogação!

Segundo os dados da Federação Internacional de Planeamento Familiar, a interrupção voluntária da gravidez é considerada crime na Grã-Bretanha, Chipre, Espanha e Polónia (tal como em Portugal), sendo admitidas poucas excepções. Mas entre os 27 da União Europeia só Malta é totalmente contra o aborto, seja em que circunstância for. E a mulher que o praticar incorre numa pena de prisão entre 18 meses e três anos. Ou seja, estamos entre os países mais desenvolvidos da Europa!

Os defensores do “não”, que eu respeito profundamente, argumentam, ainda, que uma aprovação popular levará a uma liberalização do aborto, aumentando drasticamente as interrupções voluntárias de gravidez. Outro erro! O número de abortos não aumentará, até porque tenho a certeza absoluta, mesmo pertencendo ao género oposto, que nenhuma mulher aborte porque lhe dá prazer (“Não utilizámos preservativo, por isso vou abortar”)! Isso é desrespeitar a mulher como pessoa, como ser humano! Desrespeito esse que tem sido preconizado de forma sublime por aquela grande e nobre instituição que é a Igreja Católica.

Agora, o registo do número de abortos aumentará significativamente! Sem qualquer sombra de dúvida! Isto porque passarão a ser legalizados e efectuados em “estabelecimentos de saúde legalmente autorizados”. E não sei onde estará o mal, antes pelo contrário. Combater-se-á o aborto clandestino e proteger-se-á a integridade física e psicológica da mulher.

Os defensores do “sim”, ao contrário dos defensores do “não”, não estabelecem nenhuma obrigatoriedade! Os defensores do “não” afirmam que a mulher não pode e não deve abortar! Os defensores do “sim”, nos quais eu me insiro, defendem que a mulher deve escolher de forma livre, tendo em conta, como é óbvio, todos os pontos de vista e todas as opiniões. Aliás, é uma decisão que não é seguramente fácil, ao contrário do que os partidários do “não” tendem fazer parecer. Votar “sim” não significa obrigar as mulheres a abortar! Este é outro erro frequente que os defensores do “não” pretendem transmitir de forma incorrecta à população.

Nestas últimas semanas, tenho visto espalhados pelas ruas inúmeros cartazes a apelar ao voto no “sim” e no “não”. Não consigo compreender é a mente mesquinha daqueles que desenham pequenas crianças inocentes em amplos cartazes: “Tenho 10 semanas, não me mates!” Por favor… Ou então (e lá voltamos nós ao principal problema, na minha modesta opinião), as mais de 850 cartas que foram colocadas nas mochilas das crianças, apelando ao voto contra o aborto. Isto sucedeu no Centro Paroquial de Nossa Senhora da Anunciada, em Setúbal. Adivinhem quem foram os autores.

Como um grande amigo meu me disse há uns dias, “Se o “não” vencer, será, seguramente, o maior crime do século em Portugal”. E, apesar de ainda nos faltarem umas dezenas de anos para completarmos esta era, estou completamente de acordo.

Por mera curiosidade, no dia do Referendo – 11 Fevereiro – celebra-se a Independência do Estado do Vaticano (1929), segundo os tratados de Latrão. Espero que este aniversário não seja angariador de muitos presentes. Para mim, apenas desejo que “me agradem, por favor”. Não fosse esse o título do primeiro disco dos Beatles gravado, coincidentemente, no dia 11 de Fevereiro de 1963 – “Please Please Me”.

André Pereira
O Despertar

A Velha Coca-Cola e o Novo Vêgê

Como telespectador atento que sou, tenho mantido uma vigilância permanente sobre o meio audiovisual e a sua repercussão no nosso mundo actual. A Publicidade é um dos conteúdos que me fascina e, ao contrário de grande parte das pessoas, muitos são os minutos que despendo com os olhos colados aos mais variados anúncios.

De há uns tempos para cá, dois anúncios saltaram-me à vista mas, essencialmente, ficaram no meu pensamento mais tempo do que o normal. A minha primeira reacção foi de surpresa; contudo, após alguns visionamentos mais cuidadosos, notei em mim algum receio, especialmente num deles. Fiquei surpreendido porque, apesar de seguirem as regras publicitárias, estes dois anúncios afastam-se, de certa maneira, da onda em que até então todos navegavam, criando a sua própria estrutura.

O outro sentimento que enumerei é o receio, uma vez que estes anúncios (com especial atenção para um deles) aproveitam um momento de “distracção humana” para entrar no inconsciente das pessoas.

Falo dos anúncios da Coca-Cola e do óleo Vêgê. No primeiro, a personagem principal é um senhor idoso, de fato-de-treino, praticando diversas actividades físicas demonstrando, assim, a sua excelente forma. O senhor diz que sempre bebeu Coca-Cola e que, apesar de se dizer que o refrigerante é utilizado para “limpar as engrenagens” e “não estar provado que faça bem”, ele continua a beber porque fá-lo sentir feliz. E, “se a felicidade aumenta a esperança de vida, continuarei a beber”.

Por sua vez, o segundo anúncio centra-se numa rapariga na flor da idade. Esta, apresenta, de forma bastante natural, o produto, desprezando, por completo, o ambiente envolvente - “Não precisamos de uma bonita cozinha, com um cozinheiro famoso, umas crianças para dar um ar querido e uma super-modelo a apresentar”.

Contudo, ao dizer tudo isto, está a captar a atenção do público para esse mesmo aspecto, o espaço envolvente que, nesta película, se baseia numa parede branca onde a protagonista cria o seu próprio meio. Esta simplicidade na promoção do produto leva a uma conclusão lógica, referida pela actriz: “Desculpem, vamos continuar com anúncios maus mas com um óleo muito bom”.

Ora, estes dois anúncios causaram em mim surpresa não só pela sua originalidade mas também pela “mudança de rumo”, como já havia referido. Contudo, é o anúncio da Coca-Cola que provoca em mim o tal sentimento de receio. Isto porque, se analisarmos bem o anúncio, o texto não confirma nem desmente os malefícios da Coca-Cola, colocando a sua tónica no elemento primordial, a Felicidade!

Por entre imagens raras nos dias que hoje correm (um homem de 84 anos em excelente forma), a Coca-Cola como que “injecta” lentamente no nosso inconsciente a frase “a Coca-Cola até pode fazer mal, mas dá felicidade”. E é aqui que eu sinto medo. Isto porque, se até então as pessoas já suspeitavam da qualidade deste refrigerante, a partir de agora sabem, por fonte segura, que provavelmente faz mal.

A máxima que este anúncio estabelece e pretende moldar na mente humana é a seguinte: “Façamos o que nos apetece! Até podemos consumir produtos que nos irão prejudicar mas o importante é estarmos felizes."

Desde sempre que a Coca-Cola nos tem habituado a anúncios de elevada qualidade, mas não nos esqueçamos que foram estes senhores que criaram o Pai Natal. Esperemos que não criem, também, “esta” felicidade.

Este tipo de anúncio é muito difícil de combater pois a própria marca diz “toda a verdade”, acrescentando no entanto um novo elemento - “O nosso produto faz mal, mas dá felicidade”, ou “Os nossos anúncios são maus mas o óleo é bom”.

As pessoas continuarão a beber Coca-Cola, eu próprio continuarei a fazer parte desse grupo. As vendas do óleo Vêgê irão, decerto, aumentar como consequência deste anúncio. Mas é importante saber ver os anúncios, e não apenas olhar…

André Pereira
O Despertar