sábado, maio 26, 2007

Pequena Maddie


Olá pequena! Sinto a falta do teu sorriso, desse teu olhar cativante que agora não me deixa dormir. Noites escuras, sem vida, onde o silêncio abafa o meu triste choro. Vagueio por entre paredes, questionando-me, preso a sentimentos amargos, o porquê da tua partida, sem aviso, sem razão. Durante devaneios sem fim, agarro-me à boneca que te acompanhava entre baloiços e escorregas, entre brincadeiras e sonhos repletos de fantasia. Dou-lhe festas no cabelo, como só tu gostavas, meu amor. Solto mais lágrimas, lembro-me de todos os momentos em que te tinha nas mãos, em que sabia que estavas comigo.

Os dias passam e tu insistes em não aparecer. Não querem trazer a minha menina, esses homens de mente deturpada, pervertida por infâncias difíceis ou apenas por malícia. Eles que te tragam para os meus braços. Não quero justiça, não quero vingança, apenas quero ter a minha pequena Maddie.

Olho para um retrato teu, fecho os olhos e penso que estás comigo, abraçando-me com essas tuas pequeninas mãos. Dás-me força para continuar, sorris e de repente desapareces. Volto à crua e dura realidade que me despedaçou o coração.

Quero-te de volta. Quero-te encher de mil beijos, quero dizer a toda a gente que a minha menina regressou. Espero por esse dia até ao resto da minha vida. Até lá, os meus olhos perderão o brilho que a vida lhes deu, o meu coração baterá mais fraco, perdido no desespero de te ver. Sei que andas por aqui, sinto a tua presença, esse teu especial calor, poderás estar distante, talvez perto, mas sinto-te.

Por favor voa, meu anjo. Voa, voa...voa…

segunda-feira, maio 07, 2007

La Petite Mort

"O que o ouvido deseja é ouvir música, e a proibição de ouvir música chama-se negação do ouvido. O que os olhos desejam é ver beleza, e a proibição de ver beleza chama-se negação da vista. O que a narina deseja é cheirar perfume, e a proibição de cheirar perfume chama-se negação do olfacto. Do que a boca quer falar é do justo e do injusto, e a proibição de falar do justo e do injusto chama-se negação do entendimento. O que o corpo deseja gozar são alimentos ricos e roupas belas, e a proibição desse gozo chama-se negação das sensações do corpo. O que o espírito quer é ser livre, e a proibição dessa liberdade chama-se negação da natureza."

Yang Chu
Que nos faz levantar todos os dias?

Poucas certezas tenho na vida.
No entanto, sei que se ganhasse a lotaria, se comprasse a mais luxuosa das casas, a mais brilhante das jóias, a mais cara das companhias e o mais moderno dos jactos continuaria sem A encontrar.
Continuaria a ser miserável se antes o fosse, continuaria com a mesma vida sem brilho que antes teria, continuaria a sentir-me só. Poderia viajar da China ao Pólo Sul, e do Pólo Sul até aos confins da Terra, que por mais longe que o meu jacto particular me levasse, não me levaria até Ela.
Tudo o que o meu dinheiro conseguiria comprar seriam falsos sorrisos, carícias interesseiras e pequenos vazios que me dariam um prazer temporário. Essas pequenas mortes que, a pouco e pouco, nos fazem esmorecer. Essas pequenas mortes ilusórias que nos enchem o vazio dos dias...
Essas pequenas mortes...

Que nos faz levantar todos os dias?
Essas pequenas mortes... Essa nossa busca incansável e inalcançável pela Felicidade.

Poucas certezas tenho na vida.
Mas isto sei-o, com certeza.

* * *
"... o medo do prazer."

Gostamos tanto do prazer que temos medo que ele acabe. Assim como a felicidade. Há quem prefira evitá-la a vir um dia a experimentar o amargo sabor que é deixar de a sentir. Pois o prazer, tal como a felicidade, vem e vai. Nada dura para sempre, pois se assim fosse, dar-nos-ia sequer prazer?
Por outro lado, não será mais fácil negar e renegar tudo o que se associe ao prazer, caluniando-o, para não correr qualquer risco de lhe não resistir?
Hoje em dia, para onde quer que olhemos salta-nos o prazer à vista. Temos todos os tipos de prazeres. E se formos a ver bem, vivemos exactamente para isso, ou em função disso: ou porque os negamos com todas as forças do nosso ser, ou porque lhes cedemos com todas as fraquezas do nosso ser."

Somos criaturas estranhas.
Creio que o posso dizer com todas as certezas.
Será que assim o somos porque assim a vida nos fez ou, pelo contrário, fomos nós que, já sendo criaturas estranhas, também criámos uma vida estranha em nosso redor?
A verdade é que somos tão complexos que chegámos ao ponto de nem sequer nos conseguirmos definir.
Somos um turbilhão de confusão, de incompreensão, de indecisão, de indefinição.
Se me perguntarem se me sinto, neste momento, feliz, possivelmente direi que não.
Se me perguntarem o que me faria sentir feliz neste momento, direi com certeza, que não sei, pois é complicado e depende e... e ... simplesmente não sei.
Somos um turbilhão de insatisfação.
Mas sim, Einstein estava certo: é tudo muito relativo.
Se vir o telejornal lamentarei todas as desgraças do mundo. E o jantar cair-me-á como uma pedra no estomâgo. E eu lamentarei. E mudarei de canal, e sentir-me-ei feliz.
Relativamente feliz.
E assim vamos vivendo.
Nem sabemos bem como, mas vamos vivendo. E vamos tentando descobrir, ou simplesmente tentando esquecer.
Na verdade, creio que chegámos a um ponto em que se torna tão doloroso abrir os olhos que preferimos manter-nos cegos.
E aí surge um riso. Ou um carro novo. Ou uma simples rosa.
E esses momentos fecham-nos os olhos, e aconchegam-nos o coração.
"Talvez o amanha valha a pena. Vamos esperar para ver."

E acordamos, levantamo-nos. Pomos os pés no chão frio, esquecemos o ontem. É melhor.
Tomamos café com uma dose extra de açúcar para adoçar a vida e fingimos que não ficamos enjoados.
De manhã temos sempre aquela perspectiva de que tudo correrá melhor. Creio que é somente para que nos possamos aguentar até ao final do dia, em que nos descalçamos e sentimos o frio do chão novamente. Mas colocamos umas pantufas e passamos a caminhar sob um chão mais suave.

E depois chega a noite. E a noite arrasta consigo todos os fantasmas, e aquela perspectiva de um amanhã incerto. Mais uma vez esperamos para ver.
Que nos trará? Sorrisos, lágrimas, nada... ?
Esperaremos.

Qualquer coisa será melhor que a angústia que a noite traz e, de qualquer das formas, o relógio não pára. E lá estamos nós, condenados ao perverso jogo do tempo e da vida.
Eles passam por nós, quer queiramos quer não. E tudo o que nos resta é pedir-lhes uma boleiazinha e agarrarmo-nos com unhas e dentes.
É que tudo isto não deixa de ter a sua ponta de ironia: é que a vida é o que nós fazemos dela, mas nós também somos o que ela faz de nós. Curiosamente, a vida é nossa, mas temos que nos cingir às suas regras. Na verdade, tudo aquilo que controlamos é um nada abismal, em que nos limitamos a mover o nosso pequeno peão, que pula os cadáveres que vão caindo, e tenta alcançar o lado de lá do tabuleiro, à espera de resgatarmos não sabemos bem o quê.
Mas no final, tudo se resume a um check-mat. Uma jogada mais precipitada, menos deliberada e toda a nossa caminhada chega ao fim. Perdemos a boleia, recomeçamos de novo.

E lá vem um sorriso, um riso, uma carícia. Um chocolate, um amigo, uma desilusão.
E isso vai-nos aquecendo o coração e juntando os pedacinhos da nossa alma.
E continuamos a sentir-nos miseráveis, sem o sermos. E continuamos a desejar, sem sabermos bem o quê.
E continua a guerra, e continua o medo e o Sol a nascer.
E assim vamos vivendo.

Já nada nos causa espanto, porque as coisas sempre foram assim. E se não sempre assim o foram, preferimos pensar que sim, porque pensar demasiado nisso antecipa a noite. E a noite é assustadora.
Iniciamos mais uma batalha, erguemos espadas, cortamos corações, enterramos soldados, derrubamos barreiras, dilaceramos espíritos. Explodimos, conquistamos, derrotamos, somos derrotados.
Não desistimos. Isso não vem nas regras, e o acto cobarde de desistir requereria demasiada coragem para as quebrar.
Então mantemo-nos no mesmo de sempre.

E vamo-nos agarrando aos pequenos prazeres que a vida nos vai concedendo.
Pois a vida são esses pequenos momentos de glória, de paixão, de reconhecimento, de paz, de fulgor.
Uma trincadinha num chocolate, uma palavra doce, um aroma caloroso, o quentinho das nossas pantufas.
É isso que faz o mundo girar e apazigua a tempestade que é a vida.
Pois tudo o que procuramos, neste labirinto, é uma réstia de felicidade.
Algo que nos faça sentir vivos, ou que valha a pena assim nos mantermos.
Tudo o que nos move é essa nossa esperança de sentirmos, nem que por breves momentos, o sabor da felicidade. Acabamos por viver à procura de algo que não sabemos ao certo como sabe por nunca termos sentido esse sabor na sua íntegra, ou talvez até o tenhamos sentido e apenas não nos tenhamos apercebido disso na altura.

Queremos sempre mais e mais e mais.
E como custa encontrar essa felicidade na íntegra procuramos pequenos prazeres, prazeres imediatos, que não resolvem nem preenchem (se não temporariamente) esses vazios que nos atacam, mas que nos consolam.
E há quem viva apenas com esse propósito: satisfazer corpo e alma de todos esses prazeres imediatos, até não aguentar mais. E depois essa sensação passa, e fica o vazio. Um corpo oco e ressequido.
Na verdade é como andar a tentar manter a linha e decidir, de repente, saciar todos os desejos e fomes até não poder mais; e aí vem o abuso, o excesso; e resta o enjoo e o arrependimento. Mas o relógio não volta atrás...

Por outro lado, há também quem prefira negar todo o tipo de prazeres, talvez por os associar a acções pecaminosas, rejeitando-os por completo.
Voltando à nossa dieta: por vezes, quando tentamos manter a linha, para nos afastarmos de tudo aquilo que nos arruinaria o objectivo, simplesmente optamos por nos mentalizar que não gostamos de chocolates, não gostamos de bolos, não gostamos de... e se alguém nos pergunta se queremos uma trincadinha é mais fácil responder " Não, obrigada, não gosto muito." E pronto. Ao negar isso, não corremos o risco de cair em tentação. O nosso objectivo é alcançado, mas vivemos uma vida completamente insonsa.
No entanto, nada disso nos impede de pensar naquilo que à partida rejeitamos, nem tão pouco de o desejar. Mas por vezes o hábito de o negar já está tão entranhado que depois nos esquecemos de como se pode viver sem o fazer.

Depois surgem aqueles que, cumprindo a sua dieta, volta e meia se dão ao luxo de quebrar as regras e comer o que desejam. E isso não cria excessos, nem uma vida completamente vazia de prazeres. Cria um equilíbrio, e torna-se mais fácil viver.

É que as pessoas foram, a dada altura, tendendo para os extremos, talvez porque seja mais fácil ou ceder por completo, ou rejeitar tudo, sem pensar sequer. E tornamo-nos irracionais. Mas a arte de bem viver é complicada e fazê-lo sem um manual de instruções torna-se uma tarefa árdua.
Até porque vivemos numa sociedade que nos deixa, de certa forma, num engraçado paradoxo. Para onde quer que olhemos, numa rua, numa revista, na televisão, tudo o que nos oferecem são prazeres, que se apoderam das nossas fraquezas e alimentam o mundo.
E a dada altura são essas coisas que nos impingem que passam a comandar a nossa vida, porque é isso tudo o que nos oferecem: uma embalagem, sem grande conteúdo. Mas sentimos, por momentos, uma sensação agradável e, uma vez que não há dor, dizemos que nos sentimos felizes.
Mas o paradoxo reside aqui: apesar de ao caminharmos numa rua sermos fulminados por imensas formas de prazer, a sociedade sempre nos ensinou a reprimir tudo aquilo que nos dá algum gozo.


Todos sabemos que "o fruto proibido é o mais apetecido" e, talvez seja por isso que, sempre nos ensinaram dessa forma: para que possamos alimentar a sociedade comprando tudo aquilo que nos impinge, criaram uma barreira invisível à nossa volta, para que, a dada altura, ao espreitarmos por uma brecha, lá colocada propositadamente, desejemos passar para aquele outro mundo que, falsamente, nos tentavam esconder.
Na verdade, é como se todo este jogo já estivesse viciado desde o início. Sempre assim o foi, e continuará a ser entretanto.
Mas se assim não fosse, se não houvesse essa, mesmo que falsa, barreira, teríamos sequer prazer?
Se tudo fosse permitido, mas realmente permitido, se em vez de uma brecha tivéssemos, desde pequenos, uma enorme porta aberta para o mundo dos prazeres, saberíamos reconhecê-los?
Dar-lhe-iamos sequer qualquer valor? Ou deixariam de ter qualquer significado?

A verdade é que precisamos de algo que nos prenda para que possamos depois desfrutar da liberdade.Precisamos de sentir a injustiça, para que depois possamos sentir o que é a justiça.
Precisamos de sentir que algo não nos é permitido/concedido, para que depois surja o prazer.
É como se fosse uma questão de merecimento. Depois de sofrermos, tornamo-nos dignos de sentirmos prazer, e sermos, de certa forma, felizes.
Se não for nesta vida, que seja noutra. Ao menos preferimos acreditar nisso, pois facilita as coisas. No fim lá receberemos o nosso biscoito, por termos abanado a causa, rebolado e sentado à ordem.

E depois surgem os sonhadores natos.
Aqueles que sonham e imaginam. Aqueles que ainda acreditam que talvez haja uma pontinha de possibilidade de transformarmos uma abóbora numa carruagem de ouro, ou que no fim tudo acaba bem, ou que nós somos bons.
É em sonhos que encontram a sua felicidade, mas esquecem-se que os contos de fadas apenas são belos e possíveis nas páginas de um livro.
E no fim, nem tudo acaba bem. Podemos simplesmente conformarmo-nos e "o que não tem remédio remediado está".
E não, nós não somos bons. Somos podres, estamos contaminados. E já não fazemos sentido.
Mas uma maneira de atenuar a dor, é sonhar.
Com os sonhos podemos moldar a realidade, porque afinal de contas, o que é a realidade?
Não existe uma realidade. Existem várias. Cada um opta pela que menos lhe ferir os olhos.

E depois surgem os utópicos.
Aqueles que acreditam. Acima de tudo acreditam.
Um dia as coisas serão perfeitas, haverá justiça, igualdade, liberdade.
E esse mecanismo que ampara o mundo jamais trará dor ou mágoa novamente, a quem quer que seja.
E isso conforta-os. A perspectiva de um futuro melhor. E isso é o suficiente para que se aguentem, criando uma ilusão.
Mas haverá sempre um cadáver em putrefacção encravando esse mecanismo, pois para que tal funcionasse, seria necessário mudar a nossa essência e arrancar-nos o coração.

E depois surgem os pessimistas.
Aqueles que já desistiram, tal como eu.
Aqueles que não acreditam, nem em contos de fadas, nem em nós.
E é isso mesmo que nos dá prazer. Um prazer doloroso, mas que nos vai mantendo o coração a bater.
É que no fundo, no fundo, esperamos que algo prove que estamos errados.

Mas pensando bem, não há qualquer diferença entre nenhum de nós. Porque até os mais pessimistas já sonharam e acreditaram em fadas
Mas chegaram a uma dada altura em que já só possuíam algumas cartas para jogar com a vida e decidiram parar por ali. As expectativas, os sonhos e projectos falhados custam pedacinhos a mais na nossa alma.
Afinal de contas, quantos de nós se tornaram astronautas? Quantos de nós se tornaram princesas e Super-Homens?
A beleza na infância é a ingenuidade. Ainda aí somos capazes de acreditar, e um pequeno chocolate ou um gelado enchem-nos o dia de felicidade. Somos menos exigentes, pois ainda nos resta o mundo dos sonhos. Ainda nos resta um futuro inteiro pela frente.
Mas o tempo é cruel.
O tempo não pára e aquele tic-tac alucinante leva-nos com ele. Quando abrimos os olhos, afinal aqueles chocolates fizeram-nos borbulhas, e já passou tanto tempo que nem nos lembramos da fórmula mágica que tinhamos para simplificar tudo ou para, pelo menos, não complicar.
Em cada minuto somos esmagados pela ideia e sensação do tempo. E apenas existem dois meios para escapar a tal pesadelo, para esquecê-lo: o prazer e o trabalho. O prazer gasta-nos. O trabalho fortifica-nos. Escolhamos.
Quanto mais nos servimos de um, mais o outro nos inspira repugnância.

E talvez seja por nos esforçarmos tanto, talvez por complicarmos tanto, acabamos por afastar aquilo que mais procuramos: a felicidade.
É que uma coisa é nunca a ter encontrado; outra é perdê-la. E há quem prefira simplesmente não arriscar passar por tão dolorosa perda, e nunca a procure sequer.
Mas com tantas adversidades, tantas incertezas, o que apenas vale a pena na vida é podermos olhar para trás e recordarmos como sabiam bem aqueles gelados, saltar à macaca, contar estrelas, sentirmos um arrepio quando alguém nos toca ao de leve, sentir o estalar da areia por de baixo dos pés enrugados, sentir o vento na cara ou simplesmente sorrir.
O que vale a pena é, simplesmente, um dia pensarmos que valeu a pena ter vivido. Mesmo que um breve momento. Isso justifica uma inteira existência.
É que a vida... a vida é um fósforo que se extingue num âpice.
A vida é um tudo de pequenos nadas.

E são essas pequenas mortes que dão algum sentido ao incompreensível.
Essas pequenas mortes...
E assim vamos vivendo.

RR