Vergonha! É a palavra com que decido iniciar este texto. Posso aplicá-la ao facto de andarmos a discutir a morte em vez da vida, posso aplicá-la ao facto de andarmos a escolher entre Salazar e Cunhal, posso aplicá-la ao acto demissionário do Governo em convocar um Referendo que deveria ser resolvido no Parlamento. Colocar nas mãos de pessoas tão inteligentes, como é a esmagadora maioria do povo lusitano, uma questão tão importante como a interrupção voluntária da gravidez é simultaneamente um acto de coragem e cobardia totais.
Numa altura em que se fala de aborto tal como se fala de futebol, resolvi equipar-me a rigor e escrever algumas linhas sobre o tema.
Uma falta mal assinalada pelo árbitro não teria tanto efeito como este que ultrapassa idades, classes e religiões. Uns são a favor, outros contra, outros vêem-se espelhados em rábulas do Gato Fedorento… Mas, o que está em questão no referendo do dia 11 de Fevereiro? Somos contra o aborto? Claro que somos, todos! Sem sombra de dúvida, a maioria da população prefere evitar um aborto a cometê-lo. Mas a pergunta não se baseia na nossa opinião sobre o aborto. A frase que estará nos boletins de voto no próximo domingo é a seguinte: "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?". Por aquilo que consigo deduzir, não sou questionado se concordo com o aborto ou com a sua legalização, como muitos andam a dizer em praça pública.
Há vários pontos que necessitam de ser esclarecidos nesta matéria. As palavras-chave desta pergunta são: “despenalização”, “voluntária”, “primeiras 10 semanas” e “estabelecimento de saúde legalmente autorizado”. Muitos têm sido aqueles que confundem estas palavras com “liberalização”, “obrigatória”, “nas primeiras semanas de vida”, “estabelecimento de saúde sem condições”.
Na minha modesta opinião e, tendo em conta que a graduação dos meus óculos é a correcta, as palavras não são bem aquelas, roçando até os próprios antónimos.
O aborto voluntário sempre se praticou e sempre se continuará a praticar. E ninguém fica impune a isso, como é óbvio. O que está em causa é, se a mulher que pratica este acto voluntário até às 10 semanas, deva ser penalizada ou não (pena que vai até três anos de prisão, de acordo com a lei em vigor). Do meu ponto de vista, a resposta é não! Pode ser moralmente condenável mas quem, para além da mulher, tem o poder sobre o seu corpo? Quem, para além da mulher, sofre com as consequências físicas e psicológicas de um aborto mal feito e fora de tempo?
Muitas vozes se levantam do seu sepulcro de riqueza, dizendo que é um crime pecaminoso matar uma vida! Mas, calma… Então Jesus não teve vida inicial. Não houve fecundação por parte do espermatozóide de José no óvulo de Maria (até porque na época não se cometia esse tipo de pecado!). Por amor do vosso senhor! Se a vida começa a partir do momento em que há fecundação, então a pílula do dia seguinte (curiosamente também criticada pela Igreja Católica) também deve ser considerada uma forma de aborto. Se calhar, talvez seja melhor utilizar preservativo, para evitar abortar e arriscar qualquer contágio infeccioso (sei lá, talvez essas pequenas doenças que para aí andam… SIDA, Tuberculose, Hepatite…). Mas o Senhor do Vaticano, perdão, o Senhor do Céu não permite tal afronta à vida humana. Talvez seja melhor, antes de pensar em fecundação, pensar em evitar a penetração. A não ser que seja uma penetração em que não se corra o risco de engravidar… Se pensarmos um bocadinho, quem é que não pode engravidar? Pois, o leitor adivinhou, mas não acredito que senhores da Igreja cometam acto tão bárbaro. Nem há relatos que possam provar isso… Nem membros da Igreja presos…
Enfim, que o tal deus me perdoe (se é que existe mesmo – porque se existisse acho que já cá tinha vindo abaixo crucificar, ele próprio, uns poucos).
As minhas palavras estão-se a desviar, embora que de forma compreensível, do tema em debate. Esta junção de letras toma este rumo porque a esmagadora maioria dos representantes da Igreja Católica em Portugal defende, de forma imoral, o voto no “Não”. Que fique esclarecido que cada pessoa tem o seu direito de escolha, o que eu respeito e defendo! Como Voltaire um dia disse, “Posso não concordar com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até à morte o vosso direito de dizê-lo”. Contudo, a forma como o voto negativo é “publicitado” pode ou não ser condenável. E, na minha opinião, grande parte dos argumentos dos defensores do “não” é completamente descabida.
“Se a lei for aprovada, uma mulher que aborte à 10ª semana e um dia, será na mesma penalizada”, é um dos argumentos. Claro que será penalizada. O limite é até à 10ª semana, será que a mulher não tem 70 dias em que possa pensar e ponderar o seu futuro e aquilo que deseja do seu corpo??? Tem que haver limites! “Se tivesse chegado um minuto mais cedo, não perderia o autocarro”. É óbvio, da próxima devo planear melhor a minha vida, de modo a não chegar atrasado. É uma comparação um tanto ou quanto desproporcional mas é idêntica! O nosso país tem viajado pelos “ses” ao longo dos anos… “Se D. Sebastião vier…”. “Se a Economia melhorar”, “Se tivéssemos ganho o jogo”, “Se…”, “Se…”, “Se…”… Enfim, tomemos outro rumo e apoderemo-nos dos pontos finais e dos pontos de exclamação! Abaixo as reticências e os falsos pontos de interrogação!
Segundo os dados da Federação Internacional de Planeamento Familiar, a interrupção voluntária da gravidez é considerada crime na Grã-Bretanha, Chipre, Espanha e Polónia (tal como em Portugal), sendo admitidas poucas excepções. Mas entre os 27 da União Europeia só Malta é totalmente contra o aborto, seja em que circunstância for. E a mulher que o praticar incorre numa pena de prisão entre 18 meses e três anos. Ou seja, estamos entre os países mais desenvolvidos da Europa!
Os defensores do “não”, que eu respeito profundamente, argumentam, ainda, que uma aprovação popular levará a uma liberalização do aborto, aumentando drasticamente as interrupções voluntárias de gravidez. Outro erro! O número de abortos não aumentará, até porque tenho a certeza absoluta, mesmo pertencendo ao género oposto, que nenhuma mulher aborte porque lhe dá prazer (“Não utilizámos preservativo, por isso vou abortar”)! Isso é desrespeitar a mulher como pessoa, como ser humano! Desrespeito esse que tem sido preconizado de forma sublime por aquela grande e nobre instituição que é a Igreja Católica.
Agora, o registo do número de abortos aumentará significativamente! Sem qualquer sombra de dúvida! Isto porque passarão a ser legalizados e efectuados em “estabelecimentos de saúde legalmente autorizados”. E não sei onde estará o mal, antes pelo contrário. Combater-se-á o aborto clandestino e proteger-se-á a integridade física e psicológica da mulher.
Os defensores do “sim”, ao contrário dos defensores do “não”, não estabelecem nenhuma obrigatoriedade! Os defensores do “não” afirmam que a mulher não pode e não deve abortar! Os defensores do “sim”, nos quais eu me insiro, defendem que a mulher deve escolher de forma livre, tendo em conta, como é óbvio, todos os pontos de vista e todas as opiniões. Aliás, é uma decisão que não é seguramente fácil, ao contrário do que os partidários do “não” tendem fazer parecer. Votar “sim” não significa obrigar as mulheres a abortar! Este é outro erro frequente que os defensores do “não” pretendem transmitir de forma incorrecta à população.
Nestas últimas semanas, tenho visto espalhados pelas ruas inúmeros cartazes a apelar ao voto no “sim” e no “não”. Não consigo compreender é a mente mesquinha daqueles que desenham pequenas crianças inocentes em amplos cartazes: “Tenho 10 semanas, não me mates!” Por favor… Ou então (e lá voltamos nós ao principal problema, na minha modesta opinião), as mais de 850 cartas que foram colocadas nas mochilas das crianças, apelando ao voto contra o aborto. Isto sucedeu no Centro Paroquial de Nossa Senhora da Anunciada, em Setúbal. Adivinhem quem foram os autores.
Como um grande amigo meu me disse há uns dias, “Se o “não” vencer, será, seguramente, o maior crime do século em Portugal”. E, apesar de ainda nos faltarem umas dezenas de anos para completarmos esta era, estou completamente de acordo.
Por mera curiosidade, no dia do Referendo – 11 Fevereiro – celebra-se a Independência do Estado do Vaticano (1929), segundo os tratados de Latrão. Espero que este aniversário não seja angariador de muitos presentes. Para mim, apenas desejo que “me agradem, por favor”. Não fosse esse o título do primeiro disco dos Beatles gravado, coincidentemente, no dia 11 de Fevereiro de 1963 – “Please Please Me”.
Numa altura em que se fala de aborto tal como se fala de futebol, resolvi equipar-me a rigor e escrever algumas linhas sobre o tema.
Uma falta mal assinalada pelo árbitro não teria tanto efeito como este que ultrapassa idades, classes e religiões. Uns são a favor, outros contra, outros vêem-se espelhados em rábulas do Gato Fedorento… Mas, o que está em questão no referendo do dia 11 de Fevereiro? Somos contra o aborto? Claro que somos, todos! Sem sombra de dúvida, a maioria da população prefere evitar um aborto a cometê-lo. Mas a pergunta não se baseia na nossa opinião sobre o aborto. A frase que estará nos boletins de voto no próximo domingo é a seguinte: "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?". Por aquilo que consigo deduzir, não sou questionado se concordo com o aborto ou com a sua legalização, como muitos andam a dizer em praça pública.
Há vários pontos que necessitam de ser esclarecidos nesta matéria. As palavras-chave desta pergunta são: “despenalização”, “voluntária”, “primeiras 10 semanas” e “estabelecimento de saúde legalmente autorizado”. Muitos têm sido aqueles que confundem estas palavras com “liberalização”, “obrigatória”, “nas primeiras semanas de vida”, “estabelecimento de saúde sem condições”.
Na minha modesta opinião e, tendo em conta que a graduação dos meus óculos é a correcta, as palavras não são bem aquelas, roçando até os próprios antónimos.
O aborto voluntário sempre se praticou e sempre se continuará a praticar. E ninguém fica impune a isso, como é óbvio. O que está em causa é, se a mulher que pratica este acto voluntário até às 10 semanas, deva ser penalizada ou não (pena que vai até três anos de prisão, de acordo com a lei em vigor). Do meu ponto de vista, a resposta é não! Pode ser moralmente condenável mas quem, para além da mulher, tem o poder sobre o seu corpo? Quem, para além da mulher, sofre com as consequências físicas e psicológicas de um aborto mal feito e fora de tempo?
Muitas vozes se levantam do seu sepulcro de riqueza, dizendo que é um crime pecaminoso matar uma vida! Mas, calma… Então Jesus não teve vida inicial. Não houve fecundação por parte do espermatozóide de José no óvulo de Maria (até porque na época não se cometia esse tipo de pecado!). Por amor do vosso senhor! Se a vida começa a partir do momento em que há fecundação, então a pílula do dia seguinte (curiosamente também criticada pela Igreja Católica) também deve ser considerada uma forma de aborto. Se calhar, talvez seja melhor utilizar preservativo, para evitar abortar e arriscar qualquer contágio infeccioso (sei lá, talvez essas pequenas doenças que para aí andam… SIDA, Tuberculose, Hepatite…). Mas o Senhor do Vaticano, perdão, o Senhor do Céu não permite tal afronta à vida humana. Talvez seja melhor, antes de pensar em fecundação, pensar em evitar a penetração. A não ser que seja uma penetração em que não se corra o risco de engravidar… Se pensarmos um bocadinho, quem é que não pode engravidar? Pois, o leitor adivinhou, mas não acredito que senhores da Igreja cometam acto tão bárbaro. Nem há relatos que possam provar isso… Nem membros da Igreja presos…
Enfim, que o tal deus me perdoe (se é que existe mesmo – porque se existisse acho que já cá tinha vindo abaixo crucificar, ele próprio, uns poucos).
As minhas palavras estão-se a desviar, embora que de forma compreensível, do tema em debate. Esta junção de letras toma este rumo porque a esmagadora maioria dos representantes da Igreja Católica em Portugal defende, de forma imoral, o voto no “Não”. Que fique esclarecido que cada pessoa tem o seu direito de escolha, o que eu respeito e defendo! Como Voltaire um dia disse, “Posso não concordar com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até à morte o vosso direito de dizê-lo”. Contudo, a forma como o voto negativo é “publicitado” pode ou não ser condenável. E, na minha opinião, grande parte dos argumentos dos defensores do “não” é completamente descabida.
“Se a lei for aprovada, uma mulher que aborte à 10ª semana e um dia, será na mesma penalizada”, é um dos argumentos. Claro que será penalizada. O limite é até à 10ª semana, será que a mulher não tem 70 dias em que possa pensar e ponderar o seu futuro e aquilo que deseja do seu corpo??? Tem que haver limites! “Se tivesse chegado um minuto mais cedo, não perderia o autocarro”. É óbvio, da próxima devo planear melhor a minha vida, de modo a não chegar atrasado. É uma comparação um tanto ou quanto desproporcional mas é idêntica! O nosso país tem viajado pelos “ses” ao longo dos anos… “Se D. Sebastião vier…”. “Se a Economia melhorar”, “Se tivéssemos ganho o jogo”, “Se…”, “Se…”, “Se…”… Enfim, tomemos outro rumo e apoderemo-nos dos pontos finais e dos pontos de exclamação! Abaixo as reticências e os falsos pontos de interrogação!
Segundo os dados da Federação Internacional de Planeamento Familiar, a interrupção voluntária da gravidez é considerada crime na Grã-Bretanha, Chipre, Espanha e Polónia (tal como em Portugal), sendo admitidas poucas excepções. Mas entre os 27 da União Europeia só Malta é totalmente contra o aborto, seja em que circunstância for. E a mulher que o praticar incorre numa pena de prisão entre 18 meses e três anos. Ou seja, estamos entre os países mais desenvolvidos da Europa!
Os defensores do “não”, que eu respeito profundamente, argumentam, ainda, que uma aprovação popular levará a uma liberalização do aborto, aumentando drasticamente as interrupções voluntárias de gravidez. Outro erro! O número de abortos não aumentará, até porque tenho a certeza absoluta, mesmo pertencendo ao género oposto, que nenhuma mulher aborte porque lhe dá prazer (“Não utilizámos preservativo, por isso vou abortar”)! Isso é desrespeitar a mulher como pessoa, como ser humano! Desrespeito esse que tem sido preconizado de forma sublime por aquela grande e nobre instituição que é a Igreja Católica.
Agora, o registo do número de abortos aumentará significativamente! Sem qualquer sombra de dúvida! Isto porque passarão a ser legalizados e efectuados em “estabelecimentos de saúde legalmente autorizados”. E não sei onde estará o mal, antes pelo contrário. Combater-se-á o aborto clandestino e proteger-se-á a integridade física e psicológica da mulher.
Os defensores do “sim”, ao contrário dos defensores do “não”, não estabelecem nenhuma obrigatoriedade! Os defensores do “não” afirmam que a mulher não pode e não deve abortar! Os defensores do “sim”, nos quais eu me insiro, defendem que a mulher deve escolher de forma livre, tendo em conta, como é óbvio, todos os pontos de vista e todas as opiniões. Aliás, é uma decisão que não é seguramente fácil, ao contrário do que os partidários do “não” tendem fazer parecer. Votar “sim” não significa obrigar as mulheres a abortar! Este é outro erro frequente que os defensores do “não” pretendem transmitir de forma incorrecta à população.
Nestas últimas semanas, tenho visto espalhados pelas ruas inúmeros cartazes a apelar ao voto no “sim” e no “não”. Não consigo compreender é a mente mesquinha daqueles que desenham pequenas crianças inocentes em amplos cartazes: “Tenho 10 semanas, não me mates!” Por favor… Ou então (e lá voltamos nós ao principal problema, na minha modesta opinião), as mais de 850 cartas que foram colocadas nas mochilas das crianças, apelando ao voto contra o aborto. Isto sucedeu no Centro Paroquial de Nossa Senhora da Anunciada, em Setúbal. Adivinhem quem foram os autores.
Como um grande amigo meu me disse há uns dias, “Se o “não” vencer, será, seguramente, o maior crime do século em Portugal”. E, apesar de ainda nos faltarem umas dezenas de anos para completarmos esta era, estou completamente de acordo.
Por mera curiosidade, no dia do Referendo – 11 Fevereiro – celebra-se a Independência do Estado do Vaticano (1929), segundo os tratados de Latrão. Espero que este aniversário não seja angariador de muitos presentes. Para mim, apenas desejo que “me agradem, por favor”. Não fosse esse o título do primeiro disco dos Beatles gravado, coincidentemente, no dia 11 de Fevereiro de 1963 – “Please Please Me”.
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