"Então considerei que as botas apertadas são umas das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar. Mortifica os pés, desgraçado, desmortifica-os depois, e aí tens a felicidade barata, ao sabor dos sapateiros e de Epicuro". - Machado de Assis "Preciso de alguém sem o qual eu passe mal”. – Kid Abelha
A falta de amor é um par de botas apertadas. Por que mortificar os pés, e depender do prazer de desmortificá-los? É um prazer masoquista. Mais lógico seria usar sapatos confortáveis, ou então, não usá-los. Mas não: é bom que exista a dor, para que saibamos o que é prazer. Melhor não conhecer o amor do que passar uma vida na infelicidade, tentando encontrá-lo.
A falta de amor é um par de botas apertadas. Por que mortificar os pés, e depender do prazer de desmortificá-los? É um prazer masoquista. Mais lógico seria usar sapatos confortáveis, ou então, não usá-los. Mas não: é bom que exista a dor, para que saibamos o que é prazer. Melhor não conhecer o amor do que passar uma vida na infelicidade, tentando encontrá-lo.
Segundo uma lenda grega, no início, os seres eram duplos e esféricos, e os sexos eram três: um constituído por duas metades masculinas; outro por duas metades femininas; e o terceiro, andrógino, metade masculino, metade feminino. Como ousassem desafiar os deuses, Zeus cortou-os para enfraquecê-los. Cada ser tornou-se então um ser distinto, e o amor recíproco origina-se na tentativa de restauração da unidade primitiva. O homem considera-se incompleto, tentando desesperadamente encontrar aquele que o faça passar de um estado de pobreza (espiritual) para um estado de riqueza.
O que eu queria dizer é que seria melhor que não existisse amor; porque a falta dele mortifica a alma. Zeus poderia ter feito seres completos: podemos imaginar um mundo primitivo no qual o amor não existisse: muito sofrimento seria poupado. A humanidade seria constituída por seres completos, e poderia dedicar-se a outras coisas que não a busca do amor, essa coisa passageira e inútil. Claro que são só hipóteses; quem é que abdicaria do amor tendo-o conhecido?
No mínimo, ele trouxe inspiração aos poetas. Na verdade, acho que a única utilidade do amor foi ter ajudado a humanidade a produzir arte. A amizade é um sentimento muito melhor que o amor; é mais irmão, mais fraterno; os amores vêm e vão ao sabor dos ventos. Mas a amizade não resolve o problema da sexualidade, outra necessidade humana cuja falta representa um tormento. O ideal seria não ter sexualidade nem amor, mas, conhecendo-os, é impossível ignorá-los. Por exemplo, durante a infância, a felicidade é plena. Ninguém precisa do amor homem-mulher. Não existe a falta eterna de alguma coisa. Mas quando se entra na adolescência, as duas esferas são magicamente separadas e precisamos de companhia.
O amor é maníaco-depressivo. Na presença dele tudo são flores. Na falta, tudo é um inferno. Deve existir um meio de equilibrar essas duas faces. Não quero precisar de alguém sem o qual eu "passe mal". Parece um vício. Na falta da pessoa amada, é como se existisse uma síndrome de abstinência. O amor destruiu, como a droga: antes, passava-se bem sem ele; fomos-lhe apresentados na adolescência e agora existe um vazio, que nada parece preencher. Mais uma dose, por favor.
Por fim, acabo isto que me atormentava à meses. Fecho o bloco, apago a luz... Ainda assim agradeço o dia em que o amor me foi apresentado. Vem-me à cabeça "Fomos à Lua mas não encontrámos a nossa verdadeira casa. Aqueles que lutam e sofrem por amor encontram-na…" Adormeço....
RR
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